Chutando uma bola ou fazendo um amigo, criança quer escola, criança quer abrigo.
Na hora do cansaço ou na hora da preguiça, criança quer abraço, criança quer justiça.
Em qualquer lugar criança quer o quê? criança quer sonhar, criança quer viver.
Agente quer, agente quer, agente quer ser feliz, CRIANÇA É VIDA.
— Toquinho, cantor e compositor

O PODER DE UMA HISTORINHA PARA DORMIR

Apesar de a maioria de crianças aprender a falar naturalmente, estudos mostram que há diferenças entre as habilidades linguísticas das que vivem em situações de pobreza e as daquelas oriundas de realidades socioeconômicas favorecidas.

A psicóloga Anne Fernald e seus colegas da Universidade Stanford descobriram que, com apenas 1 ano e meio de idade, os bebês de famílias em posições vulneráveis apresentam uma defasagem de seis meses em relação a seus pares em condições menos adversas.

A linguagem se constitui como um divisor de águas que pode reproduzir as desigualdades que já estão postas, se não ganhar lugar de atenção no processo formativo da criança. Portanto, é preciso investir na oferta de materiais e ferramentas que ajudem os adultos a agir com maior intencionalidade no dia a dia, facilitando a compreensão de que a aprendizagem se dá o tempo todo e de que todos podem favorecer a ampliação do universo cognitivo de uma criança.

Imagine uma cena corriqueira: o pai está empenhado em colocar Stela para dormir, só que ela está desperta e agitada. Já se passou mais de uma hora e nada... O pai tem a ideia de pegar um fantoche de dedos para brincar. Conta uma historinha em que a personagem bate palmas e percebe que, imediatamente, Stela começa a bater palmas.

Ao observar a resposta da menina, fica atento e introduz no enredo da história uma princesinha que está com muito sono e por isso abra- ça o amiguinho e se deita para dormir. Propõe: “Vamos fazer o mesmo?”. Imediatamente Stela incorpora e imita a personagem dormindo...

Esse é um exemplo em que podemos ver de maneira explícita como, a partir do momento em que se confia na capacidade da criança e se está atento às suas respostas, é possível enriquecer o convívio e criar um campo favorável para a aprendizagem. Ao mesmo tempo em que o pai alcançou o seu objetivo de fazer a filha dormir, introduziu elementos sofisticados no uso da linguagem e a criança pôde aprender muitas coisas novas.

Sem dúvida, é importante pensar nas questões gerais, nos resultados e nas políticas, mas também criar caminhos sólidos para que pequenos gestos cotidianos tenham visibilidade e importância. Se todo adulto acreditar que as crianças são capazes de aprender e que aprendem o tempo todo, fortaleceremos uma ação coletiva. Esse simples movimento pode ter um poder transformador maior do que imaginamos.

O poder de uma historinha para dormir
By Beatriz Cardoso

Tags:
Criança, ler historias, pai, filha, princesinha, menina, fantoche

Beatriz Cardoso, é educadora, doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP), professora do Programa de Política Internacional da Escola de Educação de Harvard. É presidente da Oscip Laboratório de Educação (labedu.org. br) e coordenadora técnica do projeto Toda Criança Pode Aprender – Blog e App (todacriancapodeaprender.org).